CANCRO DURANTE A AMAMENTAÇÃO
Fui diagnosticada com cancro da mama a 2 de Março de 2016. Foi uma notícia devastadora, que ninguém espera nem deseja receber. Nesse dia li o resultado da biópsia. Apesar de não ter percebido a maior parte do que estava escrito, a palavra “carcinoma” diz tudo. Nesse dia chorei muito. Senti medo, desespero, injustiça. Pensei nos meus filhos. Pensei nos meus filhos sem mãe; no meu companheiro sem mulher. Nesse dia continuei a minha vida normalmente – fui buscar o meu filho à natação, fiz o jantar que tinha planeado, comi o bolo que me aguardava na despensa. Aquele seria o último dia “normal” antes de iniciar a minha viagem pela cura.
No dia seguinte, comecei uma dieta muito rigorosa: sem açúcar, sem glúten, sem laticínios, sem soja, sem carne, sem café, sem bebidas alcólicas. A maior parte da comida ingerida seria crua. A minha alimentação já tendia para o veganismo, mas nunca fui uma mulher de extremos (ocasionalmente gosto da minha hamburger, do meu bolo cheio de açúcar!). Agora teria que provar a mim mesma a enorme força de vontade que tenho.
Comecei o “Diário da Cura”, onde anoto todas as minhas refeições diárias, todos os exames que faço, todos os sentimentos mais fortes, todas as sensações físicas, todos os processos que me ajudam na cura.
O DIAGNÓSTICO
Em Agosto 2015, senti um caroço na mama esquerda. Na altura estava a amamentar o meu filho de 10 meses. Fui à médica e ela sentiu o caroço e empastamento. Mandou-me fazer uma eco mamária e uma mamografia. Fiquei assustada, principalmente porque quando se pesquisa “empastamento” no Google aparece logo a palavra CANCRO. Fiz os exames de imediato e os resultados foram inconclusivos. Atribuíram as mudanças na mama ao fato de estar a amamentar. Aconselharam-me repetir a eco mamária daí a seis meses por descargo de consciência. E eu continuei com a minha vidinha durante seis meses. O caroço não me incomodava e esta mama fora sempre muito densa e pesada. Deixei de amamentar entre Outubro e Novembro. Em Fevereiro, seis meses após os primeiros exames, notei que sangrava ligeiramente do mamilo. Marquei consulta com a médica. Ela não queria marcar nenhum exame pois eu teria que estar seis meses sem amamentar para os exames serem verdadeiramente conclusivos. Ou seja, só poderia fazer os exames agora em Abril. Não me senti confortável. Acho que o meu instinto começou a dar a alerta ao meu corpo de que algo não estava bem. Insisti para me passar o pedido médico. Afinal de contas, sou eu que pago os exames. Essa semana foi muito dolorosa. Fiz a eco mamária e o médico disse logo que não gostava do que estava a ver. Mandou-me fazer mamografia logo na altura. Fiz a mamografia e depois esperei sozinha num cubículo deprimente pela sentença do médico. Depois de analisar a mamografia, o médico disse-me que havia uma probabilidade (alta, pela expressão facial e corporal dele) de aquilo ser cancro. Pediu uma ressonância magnética com urgência e também uma biópsia. Fui para casa e chorei no colo do meu companheiro. Cancro é uma palavra tão devastadora, tão pesada como a morte. Fiz a ressonância magnética e depois a biópsia. Tive que fazer duas biópsias – uma na mama e outra na axila. Foi nesse dia que eu percebi que isto não era uma simples inflamação causada pela amamentação, era algo bem mais sério. Esperei oito dias pelo resultado da biópsia. Vivi a minha vida normalmente, tentando não pensar muito nisso, mas já me estava a preparar emocionalmente pelo resultado. De certa forma, eu reagi melhor do que algumas pessoas. Para mim não foi uma surpresa, nem um choque.
Nestes dois meses, já fiz 8 exames diagnósticos: 1 eco mamária, 2 mamografias, 1 ressonância magnética, 1 cintigrafia óssea, 3 TACs. Levei contraste intravenoso por 2 vezes e bebi 2 litros de contraste. Fiz 5 biópsias (em duas vezes) e levei 4 marcações pré-cirúrgicas (pequenas tatuagens de carbono que inseriram na mama para delimitar o perímetro da doença). Tenho a mama fragilizada, dorida, come se tivesse sido pisada cruelmente. Antes destes exames todos, não sentia nenhum desconforto nem dor. Agora, tenho dificuldade em ver e tocar na minha mama. É como se a mama tivesse vergonha de mim, por estar doente. Não gosto de tocar na mama e sentir os nódulos, pois não estou a sentir nódulos, estou a sentir cancro e eu não gosto dessa sensação.
O diagnóstico final ainda desconheço. Tenho um tumor de 11cmx5cm, que os médicos biopsaram novamente para se certificarem que a massa é toda maligna. Como me disse a médica, “o seu tumor é bizarro”. Aguardo para saber se este tumor bizarro é todo mau.
Diagnosticar o cancro da mama enquanto se amamenta é um desafio. As mamas inchadas pelo leite escondem estes bichinhos. Pela parte que me toca, tenho a consciência livre. Fui ao médico ao primeiro sinal e insisti para refazer os exames na altura adequada. Não poderia ter feito mais para ter sido diagnosticada mais cedo.
A CURA
Para além do tratamento convencional pelo qual terei que me sujeitar para sobreviver a este diagnóstico, só eu tenho o verdadeiro poder de me curar. O primeiro e mais importante passo é ter vontade de me curar. A seguir, é importante perceber porque isto me está a acontecer. Não de uma forma de vitimização, mas sim de auto-consciencialização.
Não encaro este diagnóstico como uma sentença de morte, mas sim como uma chamada para a vida. O meu corpo não está satisfeito com as escolhas que tenho feito na minha vida e luta desesperadamente para eu reagir. Há muitos hábitos que já estão enraízados que me prejudicam: hábitos alimentares, vícios alimentares, hábitos de sedentarismo, relações tóxicas, sentimentos de insegurança, sentimentos de impotência, sentimentos reprimidos que querem gritar e escapar do meu coração. O cancro está localizado na mama esquerda, por cima do meu coração, onde guardo e escondo estes sentimentos tão tóxicos para mim. É como se estes sentimentos todos se tivessem unido e se metamorfoseado numa massa cancerígena. O meu corpo e alma sentem-se estagnados. A minha vida estava estagnada. A nível profissional, não me sentia realizada. Pelo contrário, sentia-me perdida, insegura, infeliz, desesperada. Não tinha noção de que esse aspeto era fundamental e tinha muito peso na minha vida. Na verdade, todas as peças têm que se encaixar em harmonia para nos sentirmos plenamente realizados e felizes. Para não morrer, preciso de procurar dentro de mim, libertar o meu verdadeiro Eu. Preciso de iniciar um percurso de auto-conhecimento e de amor próprio. Nestes 33 dias, cortei com os vícios alimentares (nada descontrolado, claro!) que me davam uma sensação ilusória de bem-estar. O café para ter energia e o açúcar para me sentir melhor. Fiz as pazes com pessoas importantes na minha vida com quem eu estava de relações cortadas. Nestes 33 dias, as amizades de muitos anos fortaleceram-se e as novas amizades surpreenderam-me. Sinto-me emocionada pelo carinho e amor incondicional que tenho recebido. Nestes 33 dias, tenho ido para a cama mais cedo (falta de café!) e, por isso, durmo mais e melhor. Acordo mais cedo, antes do despertador, e estimo esse tempinho só meu. Por vezes, fico deitada na cama a pensar e meditar; outras vezes levanto-me e vou fazer o pequeno-almoço. Comecei a fazer ioga e a meditar, que eu andava há anos a protelar. Com dois filhos, não tenho tempo para isso, era o que eu dizia. Quando queremos, quando sentimos que é essencial para o nosso bem-estar, encontramos maneira de conseguir.
Houve um momento durante o diagnóstico que me marcou profundamente. Antes disto me acontecer, nunca tinha conseguido meditar porque tinha a mente cheia de pensamentos e preocupações. Durante a cintigrafia óssea, fechei os olhos e visualizei cada parte do meu corpo saudável e forte. Imaginei o papel fundamental que cada parte do meu corpo tem para mim (pernas para andar, braços para abraçar, estômago para me nutrir, cérebro para guardar as minha memórias, boca para saborear a comida e beijar). Senti uma sensação estranha, como se a minha alma/o meu ser estivesse fora do meu corpo e o possuísse. Senti o meu corpo saudável e forte. Senti o meu corpo a dizer à minha mente que estava saudável. Eu senti-me mais forte e apaziguada que alguma vez senti. Não houve dúvidas nenhumas em relação aos resultados do exame – os ossos estão limpos. Aconteceu-me o mesmo (não de forma tão profunda por não ter sido a primeira vez) quando fiz as TACs (torácica, abdominal e pélvica). A minha mente entrou em sinergia com o meu corpo e senti-me completamente (tirando o pormenor do cancro na mama, claro!) livre de doenças. O resultado veio confirmar isso. Nunca tinha estado tão presente com o meu interior. Nunca tinha comunicado com o meu corpo. Antes, sentia o meu corpo como um recipiente que eu usava para viver neste mundo e não uma parte integrante da minha alma. Esta doença está a ser um grande processo de crescimento pessoal, de aprendizagem, de eu me sentir confiante e com poder. Nunca me senti tão bem, tão confiante, com tanta energia, com um sentimento forte de ter total poder sobre a minha vida e o meu corpo.
A partir de agora, eu serei melhor pessoa, sentir-me-ei mais realizada, serei mais saudável e mais forte, a minha vida será mais maravilhosa. Encaro esta experiência não como o que o cancro tirou de mim (a mama, possivelmente), mas sim o que o cancro me ofereceu. Não tenho raiva do cancro, mas não o vou deixar encontrar no meu corpo um lar.
Não sinto raiva.
Não sinto medo.
Sinto-me em paz.
Sinto-me forte.
Eu sou mais forte que esta doença.
Vou vencer esta doença, ela não me vai vencer a mim.
Gentilmente cedido pela Sofia do seu blog mamicoracao.wordpress.com